O livro mais conhecido do filósofo Michel Foucault chama-se Vigiar e Punir: nascimento das prisões. Mas o livro é bem mais do que um tratado sobre delinquência e prisão. Para alguns, é um diagnóstico de que vivemos numa sociedade disciplinar, na qual cada gesto e movimento é milimetricamente prescrito e vigiado nos “locais de poder”: prisão, exército, escola, hospital e fábrica, lugares fechados de concentração de máquinas, gentes e almas num único corpo dócil e adestrável, e por isso, produtivo. Dupla vantagem da sociedade disciplinar: a fábrica vigia cada elemento da massa, o sindicato mobiliza a massa para a luta.
Mas Foucault falou que vivemos numa sociedade disciplinar em crise, que o mundo capitalista (neo)liberal atual funciona mais por meio da segurança e dos dispositivos de controle. Para alguns, a fábrica do século XXI é a cidade: sem muros, ela faz circular, facilita os fluxos, as trocas, a comunicação. As finanças circulam o capital pelo mundo, bom seria pôr os corpos e as mentes na mesma frequência dos “mercados”. E é isso mesmo. Fora dos muros das fábricas e das escolas, pode-se circular no Uber e aprender à distância. A sociedade de controle é aquela que inclui o diferente, todos são bons para o mercado, operários sem macacão, o mundo da liberdade e da riqueza está aberto pelo empreendedorismo. Menos vale o corpo pesado do operário do que o que é leve, virtual: uma senha, um perfil, um login.
Na conversa vamos discutir a questão: se no paradigma disciplinar, na fábrica, as lutas eram contra o confinamento e pela divisão da riqueza da produção, por quê a gente luta hoje? Será que lutamos pelas mesmas coisas?
Durante o encontro estarão à venda os livros Foucault, governamentalidade e crítica e Biopolítica, ambos de Thomas Lemke, o mais importante comentador de Foucault na Alemanha. Os livros tratam justamente da disciplina e da segurança como dispositivos de governo.
Mario Marino é mestre e doutorando em filosofia pela USP. Sua pesquisa de mestrado estudou a forma disciplinar de governo e os dispositivos de segurança no neoliberalismo. É tradutor de Quanto e como eu li Foucault (n-1 edições, 2016), Foucault Governamentalidade e crítica, As verdade nômades (Politeia, 2017) e Michel Foucault: as formações históricas. Sua pesquisa aborda o modo como a disciplina, a segurança e o empreendedorismo neoliberal não são apenas formas de governo suplementares ao jogo político, mas são sobretudo formadores de subjetividade.