No Anti-Édipo, Deleuze e Guattari afirmam que a mais importante interrogação da filosofia política é de Espinosa: por que os homens combatem por sua servidão como se lutassem por sua liberdade? A discussão desse tema e de tudo que ele implica pode resumir os problemas que nos são colocados pelos termos “servidão” e “liberdade”, frequentemente utilizados, pouco aprofundados e quase nunca pensado em suas correlações.
A partir desta pergunta de Espinosa retomada por Deleuze e Guattari – por que lutamos por nossa servidão como se lutássemos por nossa liberdade? –, o professor Homero Santiago mostra em seu livro recém lançado (Entre servidão e liberdade) como servidão e liberdade são essencialmente correlativos e avessos a qualquer sentido absoluto: servidão remete a impotência, liberdade remete a potência; ora uma predomina, ora outra. Aqui aparece o problema ético fundamental: como passar de uma situação de predomínio da primeira para o predomínio da segunda?
O propósito da conversa é exatamente discutir tais conceitos, partindo do espinosismo e pondo-o em diálogo com outros filósofos (Pascal, Nietzsche etc.) a fim de propor uma categorização dos termos “servidão” e “liberdade” manejável na análise de alguns importantes aspectos de nossa realidade social contemporânea, em particular a brasileira. Daí pensarmos valer a pena, a partir dos conceitos de servidão e liberdade, tangenciar alguns problemas atuais, como o lugar do Estado, a violência neoliberal e a policial, e sobretudo propor uma análise do Bolsa-Família, buscando perceber nela um germe de liberação.
A partir de temas recorrentes em nossa realidade social e na situação brasileira recente – a polícia e seu pendor à violenta obediência abstrata, o papel do Estado, o dinheiro e a liberdade – o apelo às experiências tem a função de alargar as possibilidades de se pensar e aplicar os conceitos de servidão e liberdade.
Durante o encontro estará à venda o livro Entre Servidão e liberdade (2019) que inclui artigos sobre o Bolsa-Família, a política e a violência de Estado.
Homero Santiago é professor livre-docente de filosofia da USP. Além de artigos e traduções, é autor de Entre servidão e liberdade (Politeia, 2019), Espinosa e o cartesianismo (Humanitas, 2004), Amor e desejo (WMF Martins Fontes, 2011) e Geometria do Instituído. Estudo sobre a gramática hebraica espinosana, (EdUECE, 2014).
Especialista em Espinosa, Pascal, Chaui e Negri, Homero estudou o que se pode chamar de ideologia brasileira, uma formação ideológica determinada marcada por uma especificidade do Brasil como formação social autoritária, e não um país que passa de tempos em tempos por governos autoritários.
Atualmente Homero estuda os antecedentes do conceito de natureza humana em Pascal, desde a matriz aristotélica da ideia de natureza, passando pela absorção do conceito pelo pensamento cristão de Agostinho, pela constituição do conceito teológico de pura natureza na escolástica tardia e sua crítica por Jansenius.